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No dia 26 de julho, celebramos a festa de Sant’Ana, mãe da Virgem Maria e, portanto, avó de Jesus. Ela também é Padroeira da cidade de Simão Dias/Se. Por isso, com muita alegria, dedico-lhe esta reflexão feita pelo Cardeal d. Eusébio Oscar Scheid

“Cristo é o mistério de Deus, no qual estão escondidos todos os tesouros da sabedoria e da ciência” (Cl 2,2-3), diz São Paulo. Isto significa que Ele é o mistério central, a síntese de todos os mistérios, a partir do qual se desvenda tudo o que se relaciona com Ele, com a sua família, e com a obra realizada para a salvação do mundo. Sabemos muito sobre essa obra, graças aos Evangelhos, pois eles foram escritos para anunciar o plano salvífico de Deus. Na pregação apostólica vemos também espelhados e esclarecidos gestos e aspectos da vida de Jesus. 

Por outro lado, há muita coisa que não conhecemos. Embora os judeus dêem grande valor à própria parentela e à genealogia, nada sabemos sobre a identidade de todos os familiares de Jesus e seu relacionamento com eles. De seus avós, por exemplo, nada se fala. Isto faz parte do segredo pessoal de Cristo, para quem o importante era nos revelar a Santíssima Trindade, na qual Ele é Deus, com o Pai e o Espírito Santo, em unidade perfeita.

Sobre a Mãe de Jesus, a Virgem Maria, as informações que temos nos provêm do Evangelho da Infância, escrito por São Lucas. Os Evangelhos e os Atos dos Apóstolos também registram sua presença junto a Jesus, durante a vida pública, e junto à Igreja nascente. Neste caso, novamente, nada sabemos quanto à parentela de Maria. 

Aqui entram os Evangelhos chamados apócrifos. Embora não sejam considerados autênticos do ponto de vista teológico e revelado, têm um certo valor histórico. Alguns citam Joaquim e Ana, como pais de Nossa Senhora. A veneração prestada a este santo casal é muito antiga no Oriente, tendo, depois, passado à Igreja ocidental. Nós a recebemos já dentro de um rico contexto litúrgico, de conteúdo inegável, no qual estes antepassados de Jesus são comparados aos patriarcas e às grandes personalidades do Antigo Testamento. Podemos deduzir que eram pessoas ligadas ao templo e engajadas na história de Israel, verdadeiramente justos, segundo os critérios de Deus.

Certamente, Sant’Ana foi escolhida e preparada para conceber a Mãe de Jesus. Essa concepção, ou conceição, nomenclatura própria da Teologia ao se referir a Nossa Senhora, deu-se num relacionamento conjugal normal. Porém, não foi apenas isto. Naquele momento, Deus agiu com seu poder. E o amor humano - meio necessário para se conceber com dignidade uma criança – foi engrandecido pelo amor do Espírito Santo, segundo o plano do Pai, nele operando a força redentora de Cristo, em previsão do Mistério Pascal que Ele iria abraçar, ao término de sua vida terrena. 

Assim esta criança, Maria de Nazaré, foi concebida sem a mancha do pecado original que pesa sobre toda a humanidade, tendo sido preservada pelos méritos do próprio Filho, que ela iria conceber no tempo de sua maturidade feminina. Não seria admissível que Jesus, nascendo o Santo dos santos, o vencedor do mal e da morte, tivesse Mãe sujeita ao pecado. Maria pertence à nossa raça, à humanidade pecadora, que traz consigo toda a avalanche do mal, desde suas origens. Mas o próprio Jesus impediu que sua Mãe estivesse submetida a esta avalanche do mal, para fazê-la sua colaboradora mais próxima e mais poderosa na redenção dos homens.  

Este milagre se deu através do concurso de Joaquim e de Ana, sem que eles o soubessem, evidentemente. Se algum dia isto lhes foi revelado, não temos conhecimento. O fato é que conceberam uma filha toda pura, abençoada por Deus, num matrimônio santo, como certamente eles viviam. E a mãe Sant’Ana transmitiu a essa filha o que ela tinha de melhor: o conhecimento dos profetas e a oração bíblica dos Salmos. Ensinou-lhe toda a história de Israel, e também lhe apresentou a perspectiva do futuro daquele povo, escolhido por Deus. O Magnificat não nasceu por acaso. Brotou em Maria, pelo conhecimento que ela tinha de personagens do passado. Uma outra Ana, que vivera séculos antes, a mãe do profeta Samuel, havia proclamado uma oração muito semelhante.

Quando nos referimos a Sant’Ana, não podemos deixar de engrandecê-la como o tronco, de onde nasceu a flor que nos deu o fruto, Jesus. A árvore é a estirpe: são os avós de Jesus, Joaquim e Ana; a floração desse amor extraordinário, aperfeiçoado quase à potência incalculável, pela ação do Espírito Santo, nos deu Maria toda pura, e dela nasce o Cristo, o Santo de Deus.   
 
Agora, é bom voltarmos o nosso olhar para as avós. O dia 26, sendo o dia da Avó de Jesus, é também o dia de todas as nossas vovós. Eu tenho tanta afeição por elas! E quem não gosta das vovós? Quanta tristeza quando as perdemos! Lembro-me de que minha avó paterna viveu até os 96 anos, tendo falecido depois de meu pai. Eu não a conhecera na minha infância, porque morava muito distante. Quando me tornei padre, cumpri o propósito de visitá-la, para celebrar uma Missa em sua intenção. Eu quis retribuir todas as orações que ela havia feito por mim, e às quais tenho a certeza de que devo parte da minha vocação. A emoção foi muito grande, e me trouxe à memória as palavras do Cântico de Simeão, ao ver que, depois daquela visita, minha vovozinha iria morrer feliz (cf. Lc 2,29-32). 

As avós são duas vezes

mães: são mães dos filhos, e segundas mães dos netos. Esta dupla maternidade lhes advém quando já adquiriram experiência da vida, o que lhes confere um enorme potencial de amor e de dedicação. Nas famílias atuais, em que pais e mães trabalham fora, as crianças são, freqüentemente, criadas pelas avós. Estas assumem uma responsabilidade muito grande, numa fase da vida em que a capacidade física e a saúde nem sempre colaboram. Mas lá estão elas, abrindo mão do seu merecido descanso, para cuidar de uma segunda geração de filhos.

Muitos dizem que as avós mimam os netos. E é verdade! Com beijos e carícias, os netos conseguem delas o que querem. Mas a beleza maior deste relacionamento está na grande influência que as avós têm sobre as crianças. Elas podem transmitir-lhes os valores que os adultos mais jovens correm o risco de abandonar, mediante a contaminação deletéria, provocada pelo mundo moderno. Muitas vezes, é nas avós que se encontra o calor do regaço materno e a segurança do núcleo familiar. 

O exemplo da querida Sant’Ana nos ensina, em primeiro lugar, o amor que devemos ter a seu neto, porque Ele é o Salvador da humanidade. Ela nos leva, também, a venerar Maria com todo o reconhecimento filial. Protetora da nossa Arquidiocese, ela é protetora de cada um de nós, com carinhosa dedicação de avó, pois, em Cristo, somos filhos adotivos de sua própria filha.

Que São Joaquim e Sant’Ana inspirem aos pais de família o respeito à dignidade da vida humana e um verdadeiro e profundo amor pela prole que Deus lhes confia. Como ambos geraram sua filha na docilidade ao desígnio divino, assim também nos ensinem que cada pessoa é preciosa e insubstituível, portadora de uma missão para a qual foi chamada à vida, pelo amor infinito de Deus.

Cardeal dom Eusébio Oscar Scheid

O arcebispo emérito do Rio de Janeiro

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