Os três devedores

Um homem muito rico tinha, também, muitos devedores. Estava ficando velho e percebeu que não dava mais tempo para receber de volta o seu dinheiro. Por isso, mandou chamar os que lhe deviam mais e lhes fez esta proposta:

- Visto que vocês não vão me pagar as suas dívidas neste mundo, se jurarem solenemente que darão um jeito para me pagar na outra vida, eu queimarei as notas promissórias que assinaram.

O primeiro devedor lhe devia uma pequena quantia e jurou que na vida futura seria o seu cavalo, assim o levaria para onde quisesse. O velho aceitou e queimou as notas dele. O segundo devedor lhe devia mais dinheiro e jurou que na vida futura seria o seu boi, portanto trabalharia na roça, puxando o arado e as carroças, como todo boi faz. O velho aceitou também essa proposta e queimou as notas dele. O terceiro devedor lhe devia uma quantia enorme e disse:

- Para pagar a minha dívida, na vida futura eu serei seu pai.

O velho ficou furioso e queria bater no devedor irreverente. No entanto este o parou e lhe disse:

- Antes de me bater, por favor, deixe-me explicar. A minha dívida é muito grande e não posso pagá-la sendo somente o seu cavalo ou o seu boi. Estou pronto para ser o seu pai. Dessa maneira trabalharei dia e noite para você; vou protegê-lo quando for pequeno e o vigiarei até quando crescer. Arriscarei a vida e enfrentarei qualquer sacrifício para não lhe faltar nada. Enfim, quando morrer, deixarei para você todas as riquezas que tiver conseguido juntar. Não acha que tudo isso vale muito mais do que ser simplesmente o seu boi ou o seu cavalo?

Neste domingo, dia dos pais, o evangelho nos fala de uma “mãe”. Uma mulher, estrangeira e pagã, que insiste com Jesus para que cure a filha dela. Apesar de não ser tão bem tratada no começo, o próprio Jesus reconhece, depois, a fé da mulher cananéia. Ela foi corajosa e, podemos dizer, ousada, superando exclusões e preconceitos. Somos surpreendidos pela insistência dela e, também, pela clareza de sua fé em Jesus: é somente a ele que pede com humildade e paciência. Não é uma fé genérica ou vazia: ela confia em Jesus e o chama sempre de “Senhor”! Além disso, não pede nada para si, pede a libertação de sua filha do demônio que a atormentava.

Imediatamente pensamos em tantos pais e mães que não medem esforço para conquistar a saúde e o bem-estar dos seus filhos. Por sua vez, esses filhos e filhas nem sempre sabem agradecer. Pensam que, afinal, os pais têm obrigação de lhes dar tudo, como se fosse uma dívida a ser paga, simplesmente por tê-los colocado no mundo. Também existem pais que, apesar de estar do outro lado na família, e, portanto, com outras responsabilidades, pensam do mesmo jeito: criar filhos é quase como pagar prestações que nunca acabam.

Todos nós, hoje, somos tentados a reduzir as chamadas “obrigações” entre pais e filhos a algo de quase exclusivamente material, como se o dinheiro e as coisas resolvessem tudo e conseguissem substituir as simples relações humanas. Se fosse assim os pais mais ricos seriam os melhores educadores e o contrário valeria para os pais mais pobres. Nada disso. Se os bens trazem conforto e ajudam, nunca podem, porém, oferecer o carinho, o afeto e, muito mais, a experiência de generosidade e gratuidade que sempre revelam o verdadeiro amor. Por isso, os pais muitas vezes  sacrificam-se pelos filhos, não para pagar uma dívida, mas porque os amam e querem que eles aprendam a amar e a se doar.

Cabe aos filhos, também, encontrar formas simples de gratidão. Pode ser o beijo e o colo da criança pequena; pode ser ainda a busca do diálogo do adolescente e do jovem com os seus pais, porque quando um rapaz ou uma moça procuram os seus pais para conversar estão lhes dizendo - sem precisar de grandes explicações - que confiam neles, que lhes dão valor e precisam do seu apoio e da sua amizade. Isso é gratidão, é amor. Procurar os pais somente para pagar as contas é reduzi-los a ser como o cavalo ou o boi da historinha.

Por mais defeitos que tenham, os pais precisam também de incentivos para cumprir mais plenamente a sua difícil missão. Se eles conseguirem encontrar algum tempo para os seus filhos ganharão de graça o afeto e a gratidão deles. Não será mais necessário comprá-los. Ter filhos será uma alegria e não somente uma conta para pagar.


Dom Pedro José Conti
Bispo de Macapá - AP

Fonte: CNBB


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