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Um pão para o cachorro

Um homem, famoso por sua santidade, caminhava pelas ruas de uma vila e viu um pobre, quase nu, tiritando de frio. Sem pensar duas vezes, tirou sua capa, cortou-a no meio e deu a metade ao pobre. Naturalmente ficou muito satisfeito com o seu próprio gesto de generosidade. No entanto, voltando para casa, reparou que, na beira de um córrego, estava sentado um homem com um pão na mão e, aos pés dele, estava um cachorro agachado. O homem partia o pão e dava um bocado por vez ao cachorro para que o comesse. Em instantes o pão inteiro acabou na barriga do cão faminto.

– Você aí – perguntou o santo homem ao desconhecido – quantos pães ganha por dia?
- Só ganhei este que estava em minhas mãos e que acabei de dar de comida a este cachorro.
- Mas por que você o deu ao cachorro em lugar de prover às suas necessidades?
– Porque este cachorro está com as patas sangrando. Deve vir de muito longe e, provavelmente, não comeu faz alguns dias. Eu deveria ficar com o pão só para mim? – respondeu o homem sentado junto ao cachorro.

O santo homem retomou o seu caminho, mas muito menos satisfeito consigo mesmo.

Um pequeno exemplo para nos lembrar que até na caridade cada um tem as suas idéias e as suas medidas. Muitas vezes o que é generosidade para uns, é considerado desperdício para outros. O que é partilha para alguns, é avareza para outros. Quem doa com mãos abertas tem sempre mil razões para fazê-lo; e quem doa menos ou guarda as coisas, tem outras mil razões para economizar. Não adianta discutir sobre isto.

Melhor é aprender a admirar quem sabe doar mais e educar à fraternidade quem tem dificuldade de repartir. O importante, me parece, é ficar sempre, ao menos um pouco, insatisfeitos, para não nos orgulharmos demais, nem nos arrependermos da caridade que fazemos. Um amor fraterno sempre maior deveria ser a nossa meta. Com menos palavras e mais ações.

“Se me amais guardareis os meus mandamentos” nos diz Jesus no evangelho deste domingo. Não podia falar diferente. Os mandamentos dele são, de fato, o grande mandamento do amor. Para amar a Deus, que não vemos, devemos amar o próximo que está à nossa frente. Do outro lado, a razão motivadora do nosso amor ao próximo, além de uma humana solidariedade, é a decisão de corresponder ao amor sem medida do próprio Deus. De certa forma, é o amor que motiva e gera outro amor, na alegria de fazer o bem e na busca da liberdade sempre maior para fazê-lo sem mais medidas.

O que chama a nossa atenção, porém, é sempre a própria pessoa de Jesus. “Se me amais...” ele diz. Obedecemos e, portanto, praticamos o mandamento do amor que ele nos deixou, por amor a ele. O mandamento do amor a Deus e ao próximo não é uma simples lei que pode ser obedecida, ou não, que pode ser desvirtuada, corrigida, acomodada aos nossos interesses. Não podemos dizer: essa pessoa eu vou amar, essa outra não, essa outra posso até odiar. Sempre estará em jogo o amor a Jesus. É a ele que amamos ou deixamos de amar nas pessoas as quais amamos ou, infelizmente, deixamos de amar.

Se entendermos isso, o mandamento do amor, mais do que uma lei, será a nossa maneira de viver, de organizar a nossa vida e os nossos sentimentos; e se tornará uma inquietação saudável, benéfica que nos fará desejar e buscar amar mais e a todos. O egoísmo e o individualismo nos fazem enxergar apenas os nossos interesses e, raramente, as dificuldades e os sofrimentos dos outros. Fecham o nosso coração mesmo que esteja em uma gaiola de ouro, cheia de bem-estar e autossatisfação.

O amor verdadeiro, não. Incomoda-nos, nunca nos deixa satisfeitos, porque nos faz perceber quantas necessidades a humanidade tem; e em quantos rostos sofredores podemos reconhecer Jesus a quem queremos seguir, amar e servir. Discursos e promessas não são amor e nem respondem às necessidades. Um gesto simples e fraterno de amizade e partilha serve muito mais. Uma renuncia para fazer o outro feliz, também. Para aprender tudo isso, até dar comida para cachorro serve. É só o começo.

Dom Pedro José Conti
Bispo de Macapá - AP

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